segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Em uma carta a um conselheiro do império, datada de 30 de abril de 1856, Hermann Blumenau, o fundador da cidade hoje novamente devastada pelo força das águas, fala de uma grande enchente ocorrida em novembro de 1855 no Rio Itajaí-Açu (com o nível do rio subindo 15 metros em um dia e meio). A descrição da destruição e dos prejuízos causados pela cheia de meados do século 19 guarda muitas semelhanças com a tragédia ora em curso na região. O relato, publicado no livro Imigrantes 1748–1900: Viagens que Descobriram Santa Catarina, de Mariléa e Raimundo Caruso, publicado pela Editora da Unisul em 2007, impressiona:

“(...) No ano passado, reinava nestas paragens um tempo tão ruim, que apenas se tem lembrança de outro ano tão desventuroso desde que vieram para cá os homens brancos. A colheita do feijão em maio e das batatas inglesas em junho perderam-se inteiramente. Cheguei em julho no Desterro e em vez de uma viagem de seis dias, em tempos regulares, gastei um mês inteiro para chegar a esta colônia.

Este mau tempo continuou até meados de dezembro, havendo uma vez onze dias consecutivos, que não apareceu nem um só raio de sol. O prejuízo foi grande, tanto aos colonos como à minha pessoa, que me obrigou a coadjuvá-los com adiantamentos muito maiores do que podia calcular. Mas ainda tive que conservar o ânimo e a coragem perante os colonos, que às vezes queriam se desesperar (...).

(...) Menos de 36 horas foram suficientes para encher o rio (...), que alagou quase todos os seus barrancos e as casas neles estabelecidas, causando inúmeros males e prejuízos diretos, tanto na colônia quanto em todo o seu território habitado. Não se pode avaliar os prejuízos em menos de 60 até 80 contos de réis, antes mais do que menos. Das plantações de milho, feijão e batatas em todo o rio não ficou senão apenas 30% (...). Mandioca e cana-de-açúcar ficaram afogadas e apodreceram (...). A situação foi tristíssima em toda a parte, os mantimentos subiram a um preço enorme e para não ver os colonos perecerem de fome e perderem inteiramente o fruto de anos de trabalho (...), não houve remédio senão sustentá-los de novo com fortes adiantamentos.

Pessoalmente tive a lastimar ainda muitas outras perdas diretas: minha casa, em que moravam o meu guarda-livros e o jardineiro, construída numa bela ponta de terra, foi carregada pelo furor das águas, levando todo o seu conteúdo de livros, instrumentos, mercadorias e outras coisas de valor pecuniário, como muitos objetos de lembrança e recordação, que me foram muito caros e não serão restituídos. (...) Todos os meus títulos de terras se foram.

O meu guarda-livros por causa do domingo fora passear rio abaixo, para ver a sua prometida “Brant”, e o jardineiro fora se divertir, e ambos não voltaram por causa da chuva e tempestade incessante, senão depois da catástrofe, e também perderam quase todas as suas roupas e pertences. O jardim que cingia minha casa desapareceu quase completamente e com ele meu único recreio, ao qual me havia permitido.

Embora não sendo característica de meu temperamento, não pude deixar de chorar como uma criança, vendo a cena de destruição em toda a parte, no momento de minha chegada. Desde o meu retorno da Alemanha havia gastado bastante dinheiro e trabalho com imensa paciência e pena, para trazer a este sertão tudo o que podia alcançar de útil, interessante e belo do reino vegetal, tanto da Europa quanto do Rio e de Santa Catarina.

E, depois de muitas experiências perdidas, tinha conseguido enfim aclimatar aqui muitas plantas exóticas, árvores frutíferas e os mais belos arbustos de ornamento. O jardim foi belo e florescente com as mais belas rosas etc. Refugiava-me nele, quando me sentia cansado, triste e oprimido – e quando voltei, tudo estava desaparecido, havia apenas barrancos dilacerados e uma praia de areia.

Além dessas perdas maiores, sofri ainda diversas perdas de alcance menor. A morte de gado, destruição de ranchos e casas de abrigo para os colonos recém-chegados, mantimentos e indiretamente a necessidade de perdoar a quase todos os meus colonos os juros de suas dívidas etc., somando-se assim os meus prejuízos em 3 e meio a 4 contos de réis, antes mais do que menos.”


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Diz a lenda que quando Sr. Otto chegou a Blumenau os índios que por aqui abitavam riam da cara dele, pois ele estava construindo a beira do rio. E os alemães ainda tinham coragem de chamar os índios de burros.

Agora quem é o burro?

Homem branco?

ou

Indios?

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