quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Numa mesa de bar fictício, alguns amigos discutiam o futuro da música na Bahia e no mundo, sufocados de vez em quando pelo som altíssimo, e já um tanto trincados pela cerveja. Quantos anos ainda vamos ter de aturar esse malabarismo chulo de vai, vai, vai, vai descendo, que do ponto de vista da música não é nem malabarismo, nem chulo, é apenas um saco?

Você sempre fala com esse arzinho de elite baiana, tudo bem, pode ter saturado um pouco, mas você esquece que esse é todo um processo de libertação, uma sincronizada reação de superação étnica. Aí tô fora!

Meu amigo Gabi, um verdadeiro príncipe da percussão da Bahia, aquele, que já contei que toca percussão em banda de carnaval ouvindo outra música pelo walk-man (e quem quiser experimente fazer isso, é mais difícil do que o teste para entrar na sinfônica), ele olha com desdém algumas dessas músicas baratas, que não têm a nobreza nem o valor musical do universo dos toques de candomblé; a raiz africana é muito, muito mais que isso.

Vocês não falaram do principal, esses saracoteios lânguidos são extremamente lucrativos, dão dinheiro e projetam a imagem da Bahia lá fora, está muito melhor agora do que quando importávamos as bobagens.

Isso é verdade, mas é também um dos maiores problemas, hoje em dia todo mundo lá fora pensa que baiano é especialista em dança da bundinha (até em congresso de engenharia), e esse aspecto de libertação étnica acaba servindo mais aos grandes empresários do que ao povão, e o que fazer com todo o resto de nossa riqueza étnica (negra, branca ou indígena)?

Na década de 30 eu ía a Itapajipe cantar "São Paulo já ganhooou foi na regata, Vitória e Itapajipe arrastaram lata".

Ma tu é velho hein, meu?

Além disso, a globalização (lá vem o filósofo da globalização...), pois é, deixa eu falar, a globalização cria uma expectativa de que haja algo local que possa ser projetado, mas essa valorização do local pode ser bastante homogeneizadora, só serve o que passa no filtro, e aí você acaba estimulando um macaqueamento do local; Quem foi que pintou o berimbau? Não sei. Quem foi que pintou aquelas pedras na Centenário? Também não sei.

Deixa isso prá lá, precisamos fazer algo pela Bahia...

O que, por exemplo? Não precisa ir longe, pegue a percussão, somos um celeiro de grandes percussionistas, mas o que acontece de melhor em termos de criatividade aqui na Bahia é um festival com a produção de fora. A área de percussão (combinada com vozes) poderia produzir coisas novas, artistas capazes de percorrer o mundo todo com um produto que fosse ao mesmo tempo local, étnico e criativo.

Não seria difícil nem caro manter um pequeno conjunto de percussão (com jovens selecionados para estágios de um ano) que fosse um emblema da Bahia lá fora.

Você não está querendo impingir uma vanguarda européia ou americana aqui na Bahia, está? Não, nada disso, estou falando de batuque, só que criativo, inusitado, mas já que você tocou no assunto, Cage poderia ser um refresco eventual para os saracoteios lânguidos.

Mas voltando ao caso, como? Sei lá... talvez um concurso, uma mostra, uma maratona, para grupos de percussão e voz, incentivando esse lado criativo, que já ligaria com a poesia e com a dança. Você acha que o mercado já não faz esse concurso anualmente, dividindo o espaço do carnaval?

Faz, mas a pressão do lucro e da comunicação instantânea é forte demais, esse concurso teria que nascer com apoio institucional, para ser algo educacional e atrativo. Se a Bahia conseguir unir essa força comunicativa com a riqueza étnica e um pouquinho de espírito aventureiro artístico ninguém nos alcança.

Quase todos os adolescentes de Salvador fazem parte de alguma banda (ou querem fazer), e muitos deles querem dizer algo novo (veja como adoram o saudoso Raul Seixas), passar uma nova mensagem, mas como? Eles esbarram neles próprios, na ignorância musical dos currículos da escola secundária (salvo alguma exceção), no que ouvem de forma mais imediata, uma cópia canhestra de rock, pop, pagode ou reggae.

Pois é, se alguma coisa fosse criada para incentivar essa palavra nova que precisa ser dita, mas incentivar mesmo, talvez o bum-bum e as cópias canhestras fossem superados, talvez a produção violonística mais sofisticada pudesse vazar para os ouvidos que a merecem. Talvez a música de Milton Gomes voltasse a ser tocada (Navios Negreiros, com percussão e tudo), com o impacto e a profundidade que tem, e Silvio Deolindo Froes...

Talvez aqueles valores espalhados pelos cantinhos da Bahia (chula, forró, reisado, marujada, samba de roda...) pudessem dizer que existem na mídia, sem apropriações devidas ou indevidas dos mais famosos. Talvez eu ouvisse mais vezes no shopping a emocionante Gira Estrela, de Ernst Widmer, e, quem sabe, comemorar os 60 anos de Lindembergue Cardoso (30/06/99) com pompa e circunstância. Talvez, talvez, talvez, quem sabe, pois é, quiçá....

Garçom, aqui nessa mesa de bar .... traz a conta por favor!



Axé!

Paz e Luz!

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