segunda-feira, 11 de agosto de 2008

AFRO-DESCENDENTE, COM ORGULHO!


Escrevemos este texto sob o impacto, profundamente negativo, do artigo “Visita à ‘terra dos negros” publicado nesta página. E o fazemos para demonstrar, em poucas linhas, que, se o indivíduo afro-brasileiro e o brasileiro em geral conhecesse um pouquinho de História da África e da afro-descendência, no Brasil e no mundo, ninguém se surpreenderia ou horrorizaria ao visitar a África de hoje, notadamente aquela parte do continente mais atingida pelo genocídio iniciado com a chegada dos europeus no século 15.

Quem se dispuser a conhecer um pouco dessa tragédia saberá que a mesma Humanidade que, hoje, justificadamente se extasia diante de um Michelangelo também há de se tocar com a beleza naturalista dos bronzes de Ifé e Benin, obras de autores africanos cujos nomes, infelizmente a História não registrou – talvez como recurso para atribuir a extrema beleza dessas obras a artistas europeus, como já se tentou fazer sem sucesso. Como compreenderá também, por mero exemplo, a grandeza artística dos negro spirituals, canções que, segundo a melhor musicologia, produzem seu indescritível efeito pelo emprego de uma escala ( pentatônica) completamente diversa das convencionais seqüências de tons maiores e menores da música ocidental, e desconhecida na Europa até pelo menos o século 19.

Da mesma forma, quem, em busca de conhecimento, for além do que hoje, no Brasil, oferecem as universidades e as listas de best-sellers, vai saber que, bem antes de Alexandre, no século 15 AC, o negro Tutmés III, príncipe núbio (filho bastardo que Tutmés II levou para a corte faraônica), quando no poder, estendeu seus domínios até a Ásia, inaugurando a era do imperialismo egípcio. Com ele, o Estado egípcio atingiu o maior momento de sua expansão territorial, subjugando povos e reinos até a Mesopotâmia, chegando, mesmo, à Europa mediterrânea. Assim, até as vésperas de sua morte, todos os reinos das margens do Eufrates à quarta catarata do Nilo, eram seus tributários. Cerca de 700 anos após esse Tutmés, uma dinastia de reis núbios, negros portanto, tomou o Egito, governando-o por cerca de 90 anos. Esse período inicia-se com o faraó Piye-Piankhi, o qual, liderando uma revolução nas artes de na cultura e, após unir as civilizações do Vale do Nilo, restaurou templos e monumentos, transferindo a capital de Tebas para Napata, no atual Sudão. Noutra dimensão histórica e geográfica, vamos ver que, antes de Cristóvão Colombo, Abubakar II, imperador do Mali, adentrou o Atlântico com cerca de duzentas embarcações de pesca e chegou ao México atual, por volta de 1312.

Na mesma medida, é preciso mostrar que a Ciência que pauta seu saber pelos ensinamentos de Platão, discípulo do egípcio Chonoupis; de Sócrates, que estudou na cidade egípcia de Busíris; e de Aristóteles ( “os que são excessivamente negros são covardes e isso se aplica aos egípcios e etíopes”, disse ele) ou mesmo pelos ensinamentos do Eclesiastes bíblico, igualmente inspirado na filosofia kemética (do antigo Egito); essa Ciência talvez também pudesse guiar-se, acaso a conhecesse, pela visão de mundo contida no conjunto de muitos milhares de parábolas enfeixadas no corpo de ensinamentos do oráculo iorubano de Ifá. E mais: os que ainda acreditam que Hipócrates foi o “pai da medicina” certamente nunca ouviram falar no egípcio Imhotep. Como os admiradores de Napoleão seguramente nunca souberam do zulu Chaka, o comandante africano mais temido pelo imperialismo europeu no século 19, por força das inovações, estratégias e armamentos que criou, até sua morte em 1828. Da mesma forma que até mesmo os cristãos mais esclarecidos certamente não sabem que o orixá Ogum é venerado, na África e nas Américas, por ser a divindade da tecnologia (que ensinou os homens a domarem o ferro), dos negócios militares, do trabalho e, conseqüentemente, da prosperidade e da saúde.

Finalizando este texto, sob a inspiração de W.E.B. Dubois, André Rebouças, Abdias do Nascimento, Milton Santos, e outros não menos, perguntamos: o que seria da música popular que se consome hoje em escala planetária se não fosse a arte musical criada pelos afro-descendentes nos Estados Unidos, no Caribe e no Brasil?

É por tudo isso que não nos consideramos “brasileiro negro” nem “negro brasileiro”. Somos, sim, com muito orgulho da ancestralidade que cultuamos, um afro-descendente, integrante de uma maioria etnocultural num país em que, por razões que muita gente esclarecida ignora ou finge ignorar, uma parcela minoritária da população detém o poder político e econômico e manipula o conhecimento, desde sempre. E a essa minoria é mais conveniente ensinar aos jovens, nas escolas, que a proposta de se estudar a África, “terra dos negros”, é uma “declaração de ignorância”.

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