quarta-feira, 20 de agosto de 2008




Silêncio. Há uma zabumba pensando. Pensando? O que porventura pensam as zabumbas entre uma batida e outra, entre um tempo e um contratempo? Tum...tum. Entre a afirmação de uma ordem hegemônica (de tempos) e sua imediata desautorização pelo ataque no finalzinho do período regulamentar, fazendo um contratempo desabusado, audacioso, que quase rouba para si o status de tempo forte, quando é mera dissonância rítmica. Será?

Não sei se o leitor entende de dissonâncias, acordes dissonantes etc. Aqui faço referência a dissonâncias rítmicas, como se fosse possível transpor o conceito do campo das alturas para o campo das durações. A mais curiosa das dissonâncias rítmicas seria a hemíola, uma ordem rítmica que surge como contravenção e ameaça se tornar dominante...

A célula rítmica característica do forró afirma um tempo forte e logo o desautoriza, para em seguida reafirmá-lo... fica brincando de esconde-esconde com o tempo forte, daí o colorido todo da coisa, e o cenário adequado para um vozeirão manhoso que nem o de Luiz Gonzaga.

Os meus pés não precisam refletir sobre o assunto. São imediatamente convocados para um xaxado imaginário - xote, baião, congado, corta-jaca, maracatu, frevo, samba e que mais? Há quem diga que os pés pensam antes da cabeça. São os motores da identidade. Pe-dagogia.

O verdadeiro desafio educacional é descobrir em que direção caminhar - e os pés parecem saber isso antes. Será que foram as zabumbas que inventaram o nordeste? Como se fossem zabumbas-galo tecendo manhãs em cada noite de forró? Como se, no amálgama de tempo e contratempo estivéssemos representando essa tensão permanente entre a obsessão do enraizamento e a condição inequívoca de desterro que nos constitui como brasil brasileiro? Tensão essa, cada vez mais característica de uma época pós, da qual talvez sejamos laboratório ímpar?

O enraizamento e o desenraizamento formam um contínuo. A desterritorialização pode ser um grande feito de identidade. Construir uma literatura/música sem marcas de lugar algum. Libertar-se da indexação imaginária pela via do local. Clarice Lispector?

O nordeste não existe porque o brasil não existe (nunca existiu, já não existe)? Ou talvez porque tenha inventado o brasil, através da zabumba?

Calma aí. O que está sendo dito é que a construção da idéia de Brasil é também uma construção nordestina. E olhe que nunca me senti nordestino. Até os 15 anos a minha geografia apresentava a Bahia como região leste - junto com Minas, Rio, Espírito Santo e Sergipe.

Ou porque é mais um efeito conjuntural do último século (surgiu junto com a Sudene! em 1969/70), ou seja, depois que a relativa equanimidade entre províncias de um mesmo império tropical cedeu lugar à concentração de poder no centro-sul?

Estou lembrando que o conceito de Nordeste era absolutamente desnecessário na época do Império. Existiam a Corte e as províncias.

Não sei se existe nordeste, mas a zabumba existe. E com ela, esse apelo irresistível ao xaxado. Mas que xaxado seria esse? O que deveríamos dançar?

Como tecer novas manhãs com galos e zabumbas cantando aqui e alhures - no mundo todo haverá nordestes e mais nordestes? Como trabalhar por manhãs intersubjetivas e interinstitucionais? (Rede)

Como permitir que tantas vozes e tantos pés invisíveis encontrem suporte nessas levadas de zabumba? (Identidade)

Como articular a cumplicidade necessária para que um lugar-de-fala seja ao mesmo tempo lugar de libertação e de futuro, lugar-múltiplo zabumba-sanfona e pífano (Nordeste)?

"Há de haver pelo menos por ali, os pássaros que nós idealizamos"*, dizia o poeta nordestino (Jorge de Lima, Invenção de Orfeu XXVI).

Um comentário:

Unknown disse...

euuuu jorginho estou comentando!!!
axo massa o teu blog, to sempre lendo os titulo, mais ainda nao consigui ler essas imensidão de linhas =p
desculpa ai!