segunda-feira, 25 de agosto de 2008


Foto: Tauna Sofia.
http://www.flickr.com/photos/tauanavi

"...logo ali oh, na Barra de manhazinha...
O galo canta anunciando um novo dia
regata a cima vai trilhando a beira mar
e ao jogar sua tarrafa advinha?
Sua bateira estava lá, a lhe esperar"
Tarrafa Elétrica.

Simpáticos, sorridentes, criativos e conversadores, os pescadores têm muito o que contar. Profissão antiga, que aos poucos foi se modernizando, tornando-se difícil para quem não consegue se adaptar. Sujeitos à chuva, sol, ventos fortes, correntezas, dias sem dormir e saudades da terra, tentam manter o riso. Nesta minha busca em conhecer mais a profissão, percorri algumas colônias de pescadores e uma extensão. Fiz entrevistas com presidentes, diretores e com os próprios pescadores. As conversas na beira do mar e piadas enquanto jogavam baralho e dominó colaboraram tanto quanto as pesquisas e entrevistas. Dentre as colônias visitadas estão à Colônia do peso Z1 (Rio Vermelho), A Mariquita união dos pescadores filiada Z1(Rio Vermelho), Colônia de pescadores COOPY Z6(Itapuã) e a extensão da colônia de Itapuã, que fica em Piatã. Todas diferenciadas em vários aspectos e integrantes cheios de história para contar.

“Quem inventou o náilon merece ser enforcado nele”, brinca o pescador da colônia Z6, Nilson sobre a substituição do fio de linha pelo náilon. Apesar de seus benefícios e duração eterna, o náilon queima muito mais a pele do que a linha. Mas o náilon não foi o único instrumento que possibilitou uma pesca moderna. Sondas e barcos motorizados deram início a pescas mais lucrativas.

Se antes a comida era esquentada numa fogueira no interior do barco com muito cuidado para não queimar as linhas, hoje fogão e gás facilitam a preparação: “Naquele tempo era fogão de pedra. Tinha que jogar água logo para apagar, porque ia fogo pra tudo que é lado, ainda mais com ventos fortes”, diz Nilson. “Os barcos têm medicamentos, rádio, coletes, bússolas. Não é como antes, a base de remo. Quase todos são motorizados. Não tem mais precisão de sair de madrugada. A rotina é 6h, 7h da manhã. Levantam, pegam seus equipamentos, pegam o barco e vão à luta”

Mas nem todos conseguem acompanhar a modernização. Com poucos barcos motorizados, a maioria a vela, peças deteriorizadas, sem apoio ou dinheiro para reestruturação, a colônia Z1 se encontra abandonada. Com mais de 100 barcos parados, o silêncio e a tranqüilidade do local escondem o sofrimento de uma colônia fantasma. A falta de peixe, o mau tempo, as correntezas fortes e as embarcações inapropriadas são problemas freqüentes enfrentados pelos pescadores da colônia: “Quando chegamos numa posição com condição para pegar o peixe, vêm embarcações melhores de outros lugares e levam. O pescador coitado fica com o dedo na boca esperando que aconteça o bom tempo para voltar ao mar. A situação é essa”, desabafa o presidente da colônia Z1, Eulirio Menezes, 80 anos.


Depende de como é feita a divisão. Isso diferencia numa associação, extensão de colônia ou conta própria. Para os não modernizados, o trabalho na busca pelo peixe tem dado é muito prejuízo. Um barco geralmente sai com dois, três pescadores e os gastos com gelo, mantimento, óleo, isca, náilon são relevantes. Além das despesas e a fiscalização de peixeiros, existe o chamado quinto, que é a porcentagem dada ao dono do barco. “Os pescadores saem hoje. Gastam seis sacos de gelo, R$40 de mantimento, mais R$40 com óleo. Volta daqui a três dias com 20kg de peixe. Vende por R$10 para o peixeiro que vende por R$18. São R$200. R$100 de despesa. Tira o quinto fica R$160,00. R$40, R$60,00 pra cada homem. Não paga nem a noite perdida, dormindo sentado, sujeito a chuva”, diz Eulirio. Para quem tem peixaria junto à colônia, no caso da colônia de Itapuã, a situação é benéfica.

Sábado de manhã, muitos pescadores voltam do mar. Ao som de cortes de faca, música baiana e gritos de compradores, as notícias velhas e propagandas políticas são usadas para enrolar o peixe. Depois da jornada em alto mar, o peixe conseguido é pesado, vendido, despesas paga e chega a hora de ratear o lucro. Diferente da extensão da colônia de Itapuã ou da colônia Z1 que precisa vender os poucos peixes conseguidos, sabendo que os peixeiros lucraram mais. Porém conscientes de que estes também têm suas despesas: “Mas é isso mesmo. Porque eles têm prejuízo, tem que comprar gelo, material de limpeza”, diz um dos diretores do núcleo das Mariquitas, José Silva.

A divisão nos peixes em Piatã é bem diferente. Gritos e vozes ecoam na busca pelo peixe. O remador, calandeiro e puxador, a depender da posição hierárquica obtém uma porcentagem diferente do lucro. A colônia de peso apesar de ter a peixaria junto à colônia, aluga o espaço para que a colônia sobreviva: “Vem caindo, levantando…caindo, levantando, mas vem se erguendo”, diz Eulirio.

Caiu na rede, é peixe?

Nem sempre. A poluição das águas tem causado o afastamento e morte de muitos peixes, prejudicando a renda do pescador. A sujeira encontrou seu lugar na rede e indignação é geral “O pessoal que mergulha, puxa a linha, vê a isca toda amarela, rede escorregadia, uma altura enorme só de pó. Peixe nenhum come uma isca desta”, desabafa Nilson. As reclamações são baseadas na fábrica perto da colônia, lixo jogado pelos moradores e pelas plataformas: “Mês passado eu estava passando por aqui e vi duas toneladas de peixes boiando por causa do gás liberado na retirada do petróleo. Mas ninguém diz nada, abafam. Isso não sai no jornal, mas a verdade é essa”, diz Eulirio.

Sem apoio ou solução... mais difícil do que achar agulha no palheiro, só resta ao pescador se aventurar. Para quem tem barcos motorizados o jeito é adentrar na imensidão do mar. Para os que não têm ou mudam de profissão lutam por uma solução. O barco nomeado “Vou e volto com Deus” encostado na areia da praia do Rio Vermelho vai ficar com Deus por mais tempo, até que o milagre da multiplicação de peixes aconteça. Ou até que a conscientização em relação à poluição, ajuda do governo e a modernização alcance de uma vez por todas as colônias sem exclusão. Milagres acontecem, mas é preciso que o homem faça sua parte.

O pescador e seus amores

Deixar a família, filhos e esposas na terra para navegar livres de paredes, presos apenas pelo mar que os cercam, parece ser uma vida solitária. Mas a volta sempre compensa, ainda mais sabendo que existe mais de uma mulher esperando. O pescador não se conforma com um amor, se entrega a várias paixões e acaba colocando a culpa no peixe, que não tem voz para se defender: “uma mulher queria porque queria peixe. Eu disse que não podia dar, que depois dava outra coisa (risos). Com uma mulher eu tenho 12 filhos, em Pernambuco, dois, ao total são 28. Mas no meu tempo é menos, meu pai tinha três mulheres”, conta um pescador. Seu amigo aproveita a situação para fazer uma piada “É por isso que morreu cedo, não agüentou. A mulher pediu peixe, voltou com 12 filhos. Nunca pessa peixe a pescador”, me aconselha.

Festa de Iemanjá

Em 1923, 25 pescadores foram presentear a mãe d´ água devido a escassez dos peixes em busca de melhoras na pesca. A partir de então, todo ano, no dia 2 de fevereiro adeptos do candomblé, turistas e pescadores passaram a reverenciar Iemanjá com flores, jóias, batons e perfumes. A festa acontece no Rio Vermelho tanto na terra quanto no mar, com músicas baianas e fogos de artifício animando e engarrafando as vias estreitas.

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A Rainha do Mar... Axé!

"Oh! Iemanjá, sereia do mar. Canto doce, acalanto dos aflitos.
Mãe do mundo tenha piedade de nós.
Benditas são as benções que vem do teu Reino.
Meu coração e minha Alma se abrem para receber as bênçãos de Iemanjá.
Mãe que protege, que sustenta, que leva embora toda dor.
Mãe dos Orixás, Mãe que cuida e zela pelos seus filhos e os filhos
de seus filhos.
Iemanjá, tua Luz norteia meus pensamentos e tuas águas
lavam minha cabeça.
O DÔ SEI ABÁ!"

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