quinta-feira, 11 de setembro de 2008




SANKOFA: MATRIZES AFRICANAS DA CULTURA BRASILEIRA
(Selo Negro Edições, 4 volumes, vários autores org. Elisa Larkin Nascimento)

Abdias Nascimento, artista, escritor e ativista da causa negra, dono de uma trajetória que reluziu, ainda mais, nos anos 70, no exílio, quando conquistou lugar entre as lideranças pan-africanistas na África e nas Américas, já de volta ao Brasil, em 1991, tornava-se o primeiro titular da então criada Secretaria de Estado de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras, no governo do Estado do Rio e Janeiro. No cargo, viabilizou a criação de um curso de extensão universitária, ministrado na UERJ. À frente desse curso, chamado “Sankofa” (em referência a um ideograma africano de significado altamente filosófico: “nunca é tarde para voltar e recolher o que ficou para trás”), esteve sempre sua esposa, parceira e seguidora, a professora Elisa Larkin Nascimento.

Escritora, autora de importantes ensaios, mestra em Direito e Ciências Sociais pela Universidade do Estado de Nova Iorque, além de doutora em Psicologia pela USP, Elisa, nascida nos EUA e radicada no Brasil desde a década de 80, é responsável também pelo conjunto de obra ora resenhado.

Publicada, primeiro, em forma de apostilas de apoio ao curso Sankofa, a coletânea foi, depois, editada em parte. E vem a público, agora, em versão integral de 4 volumes, em um momento de especial importância para os estudos africanos no País.

Conquista da militância pelos direitos civis dos negros, a Lei nº 10.639/2003, tornando obrigatório o ensino de História da África e do legado africano à cultura brasileira, veio contemplar, quase vinte anos depois, os principais objetivos do Sankofa. E esses objetivos eram, exatamente, mostrar que as histórias e as culturas africanas e afro-brasileira dizem respeito não apenas aos descendentes de africanos, mas ao Brasil como nação à humanidade como um todo.

Em seu primeiro volume,”A Matriz Africana no Mundo”, a coleção ora publicada mostra porque a noção da África como berço único da humanidade é um dos dados que hoje se impõem, com força cada vez maior, nos estudos humanísticos interdisciplinares. Assim, entenderá o leitor porque é preciso conhecer a África para compreender a origem das primeiras civilizações, a formação do mundo antigo e suas conseqüências na História contemporânea. E, para tanto, o livro não só introduz o leitor à saga da resistência africana ao escravismo e ao colonialismo, base do surgimento das modernas nações americanas, como também mostra as implicações dessa dinâmica nas relações entre a África e o Brasil.

O segundo e o terceiro volumes – “Cultura em Movimento” e “Guerreiras da Natureza” -- abordam os fundamentos africanos da cultura brasileira e a relevância do combate ao racismo anti-negro para o todo da sociedade brasileira, inclusive na educação. Ambos os livros destacam o papel da mulher negra e da religiosidade afro-originada na formação da cultura brasileira, bem como a importância do vitalismo africano nas ações ambientalistas. E, no quarto volume, destaca-se o ensaio do advogado Hédio Silva Jr. sobre os abusos de direito hoje cometidos, contra as religiões afro-originadas, pelas seitas neo-pentecostais, em todo o Brasil.

No quarto volume, “Afrocentricidade”, a coleção apresenta, de forma pioneira, as idéias de intelectuais africanos e afro-americanos que, a partir das propostas dos sempre lembrados Cheik Anta Diop e W.B. DuBois, vêm revolucionando o conhecimento sobre a contribuição do pensamento filosófico africano para o desenvolvimento do saber no mundo contemporâneo.

Apesar de vigorar já há quatro anos a Lei nº 10.639, os recursos para efetivação de seu cumprimento ainda são bastante escassos, diante da crescente demanda. Que não é apenas quantitativa, mas principalmente de qualidade. Por isso, a coleção Sankofa cumpre com os objetivos legais a partir de um novo ponto de vista, com pesquisas e reflexões construídas sobre novas bases epistemológicas. E, isto, num contexto em que a falta de conhecimento sobre suas origens e identidade contribui para que muitos afro-descendentes sofram de baixa auto-estima, o que tolhe seu acesso pleno às oportunidades e mina sua capacidade de lutar por direitos.

Os textos da coleção Sankofa levam assinaturas de peso. Neles, estão, entre outros, além da organizadora, o historiador afro-americano Molefi Kete Asante, principal teórico do afrocentrismo contemporâneo; os africanos Anani Dizidzieyo, sociólogo ganense, radicado nos EUA; Michael Hamenoo, também de Gana, e os angolanos Francisco Romão da Silva e Ismael Diogo. Além destes, integram também o elenco de autores, Carlos Moore, etnólogo afro-cubano, doutorado pela Universidade de Paris; os afro-brasileiros Edna Roland, Joel Rufino dos Santos, Nei Lopes e Sueli Carneiro, entre outros. Além destes, Sankofa reproduz, também, textos das já falecidas Beatriz Nascimento e Lélia Gonzalez, docentes fundadoras do Sankofa.

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